Corpo no Escuro: a hipocrisia sobre a nudez gorda.

Luz muito acesa. Ele disse “Tire a roupa e venha na minha direção”. Foi como se facada fosse. Aquela seria a última vez. Ele havia visto meu corpo. Meu corpo errado. Corpo vítima das minhas escolhas. Certamente, ele tentava disfarçar sua decepção por algum respeito a mim e a nossa história até ali. Não haveria um amanhecer.

No dia seguinte, já sozinha, eu chorei horas. Sabia que o tinha perdido e jamais me ocorreu condená-lo por ser tão superficial. Ele não seria o primeiro a fazer isso com uma mulher. Quando o modelador, o sutiã push up, o vestidinho perfeito, o salto, a make e todos os artifícios estão espatifados no chão o que sobra além das minhas imperfeições?

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Todas as minha primeiras noites com um parceiro sempre foram extremamente tensas e pouco me lembro efetivamente delas. Estava preocupada demais para de fato, divertir-me ou criar boas memórias. Eu queria agradar aqueles homens porque estava apaixonada e nunca me achei suficiente para nenhum deles até aquele momento. Com o tempo, ganhava confiança e a vida seguia.

Quando era jovem, uma amiga mais velha, já iniciada no sexo nos dava dicas de posições sexuais onde o peito ficava mais empinado ou o cara não conseguiria ver sua barriga. Ensinou também a mentir sobre ter fetiche em apenas colocar a calcinha pro lado, para na verdade, não ter que tirar a peça e mostrar a “pochete”. Foi minha faculdade de body shaming antes do termo ser inventado.

Na fase adulta, conheci uma gordinha bem linda que nunca tirava o sutiã pra transar. Nunca. Aliás, em anos de amizade, jamais a vi sem roupa mesmo dividindo quartos de hotel em viagens. Outro dia ouvi de uma modelo que ela não se separava do marido, um cara bem canalha, porque tem medo de mostrar sua barriga a um possível novo namorado.

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Dividindo momentos profissionais com milhares de mulheres em mais de 20 anos como fotógrafa já ouvi um sem número de absurdos com mulheres detestando seus corpos de forma obsessiva e sempre respondi a todos da mesma forma: “você é linda e quem te amar vai ter que te aceitar como você é”. Não é mentira, realmente acho isso. Sobre todas as outras, não sobre mim. O corpo alheio sempre foi melhor que o meu. E muitas de nós pensam da mesma forma, eu tenho certeza. Uma inocente hipocrisia.

E você descobre que todo trabalho de empoderamento feminino que faz não é suficiente. Ele é importante, mas só te leva até determinado ponto. Daí em diante é uma jornada solitária e lenta para cada uma de nós. Podemos estar aí serelepes de cropped e shorts curtinho, mas, ainda temos inseguranças em relação aos nossos corpos. Em algum grau.

Você pode estar se perguntando o porquê detesto tanto meu corpo. Aí que está: não detesto. Gosto bastante e tenho muito orgulho de cada dobra, estria, pele sobrando: é minha história, é a embalagem da minha vida. Meu corpo fora do padrão construiu meu caráter, me ajudou a iniciar uma revolução e me levou aos lugares mais extraordinários. Sem meu corpo, eu serei morte.

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Nenhum homem, dada a oportunidade de montar uma mulher do zero vai optar por uma barriga caída, seios flácidos, uma cicatriz imensa, pelinhos que escaparam da lâmina, alguma deficiência ou ponto fora da curva que tenhamos. Até os caras que amam mulheres gordas curtem aquelas com cinturinha fina, peitinho empinado, bumbum redondo no estilo modelo plus size. Sim, eles até fazem vista grossa pra celulite e estria, isso não é um problema pra eles como é para nós.

Não que estejamos por aqui pra agradar homem ou qualquer outra pessoa que seja, não somos acessórios de ninguém. Porém, quando existe amor, desejamos oferecer nada menos do que a perfeição para quem elegemos o melhor dos homens sobre a Terra. Ou mulher. Não é uma demanda deles, é uma paranóia nossa. Síndrome da mulher maravilha.

A vergonha que uma mulher tem sobre o próprio corpo na hora do sexo não é falta de autoestima. É um ato de amor. E isso é deveras injusto.

O homem do primeiro parágrafo hoje é meu namorado e me apoia na minha jornada contra minha própria hipocrisia. Houve um amanhecer.

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O que ELAS contam

Para este post especial escolhi dois presentes que minha vida profissional me trouxe. Duas mulheres lindas, na época destes cliques ainda não modelos, portanto sem aquele profissionalismo de encarar fotos nuas com naturalidade. O jeito sereno com que tiraram a roupa para a câmera é, no mínimo, inspirador. E elas fizeram mais, dividiram comigo suas histórias. Unidas.

“Posar nua foi uma realização. Uma alegria que não tem fim. Sempre achei que fotos nuas eram bonitas única e exclusivamente para mulheres magras, altas e de cabelos lisos. Nunca imaginei que teria coragem de fazer algo parecido. E quando surgiu a oportunidade, eu fui. Depois ficou aquela sensação de que não iria gostar de nenhuma, que colocaria milhões de defeitos, mas quando chegou o e-mail com as fotos até chorei de tanta alegria. Eu via todas as imperfeições, mas o meu sorriso de felicidade, realização e libertação foi muito maior que qualquer outro detalhe. Essa sou eu com cabelos cacheados, celulite, barriga grande e pernas grossas”, conta Daniela Azevedo.

Daniela Azevedo (@dani.azev)

Daniela Azevedo (@dani.azev)

O processo narrado pela Dani foi bem semelhante ao de outras meninas e ao meu próprio inclusive. O resultado sempre fica melhor que o esperado porque essa negatividade está na nossa cabecinha, não no nosso corpo. Ele é livre.

Ela conta que já se escondeu por muito tempo atrás de camisetões e roupas sem-graça, no entanto, hoje curte suas curvas e está em paz com elas e com os cachinhos do seu cabelo também. Sobre intimidade confessa: “Não tenho vergonha do meu corpo com um novo parceiro, mas, claro que sempre bate aquela insegurança. No entanto, logo passa porque vejo que todo esse questionamento é só meu e não dele, aí aproveito o momento. Ah, e de luz acesa!”

 

O que ELES contam

Um amigo gordo uma vez me confessou que conheceu uma garota magra na balada. Indo para o motel ela comentou que tinha tido um bebezinho há poucos meses. “Ela tinha o peito e barriga murchinhos, caídos. Só consegui comer ela de quatro porque do contrário, iria broxar”.

Relatos como este são extremamente comuns, no entanto, sempre envergonhados cara-a-cara, em especial contra a minha cara gorda. No entanto, basta dar um Google para ler uns desaforos e querer cancelar sua internet para sempre.

Sim, tem muito homem lixo por aí. Mas, também tem muito cara legal e resolvi conversar com alguns dos melhores que conheço e dar voz a uma ala masculina que merece muito respeito. E amor!

“Com a barriga é fatal, a maioria delas tem vergonha. Uma delas não queria nem tirar a camiseta na hora”, diz Jefferson Leandro. Perguntei se ele já tinha se desapontado com o corpo de alguma parceira e ele completou: “Nunca. Se você chegou a esse ponto com uma mulher e porque se sente atraído por ela como ela é. Não é igual McDonald’s que parece incrível na foto e ao vivo rola aquela decepção, não!”.

Outro grande amigo meu, Jeferson Ferreira me confessou que já teve uma experiência do tipo: “Aconteceu especificamente com o bojo de um sutiã aparentemente muito bem utilizado. No fim, tudo deu certo. A garota não deixou a peteca cair e acredito eu que não deixei transparecer. Neste momento, o que pode quebrar o clima é muito mais uma atitude do que o corpo em si.

Entre eles, a unanimidade foi que uma mulher segura sempre se torna mais atraente e que um cara que vai pra intimidade com uma plus já sabe o que vai encontrar e gosta disso. Maravilhoso de ouvir, não?! 

No primeiro ano do site publicamos na coluna “PontoGG” um artigo do Jorge Lourenço sobre “Sexo com luz Acesa”. Apesar dos 19 anos de história sobre o texto ele continua ótimo e atual (clique AQUI para acessar o site antigo e ver esta e outras matérias bacanas).

“O ato de fazer sexo com luzes apagadas ou meia luz nada tem haver com romantismos  ou  feitiços mágicos da lua e sim pela velha e  segunda mais cruel inimiga de nós gordos: a vergonha. A primeira é a discriminação.”

Formandas do Workshop para Modelos Plus size da Renata Poskus em abril de 2018.

Formandas do Workshop para Modelos Plus size da Renata Poskus em abril de 2018.

Em pé: Amanda Galatte, Elaine Dias, Daniela Azevedo.
Segunda fileira: Patricia Exposito, Gláucia Santos, Flávia Cândido e Renata Poskus
Terceira fileira:Julia Del Bianco, Lais Souza, Julli Giolo e Andrea Mentor.
Deitada: Vilma Pereira
Realização: Renata Poskus (Blog Mulherão – clique e prestigie sempre).
Cebelos: Debora Oliveira e Makes: Lu Oliveira

 

Obrigada a todos os que colaboraram com este post. Mesmo!

6 comentários sobre “Corpo no Escuro: a hipocrisia sobre a nudez gorda.

  1. Tenho 50 anos , hoje solteiro, tudo bem resolvido, e por incrível que pareça tenho uma atração IRRESISTÍVEL por mulheres Plus size , cheinhas, gordas e gordinhas. Sou um verdadeiro ” doido” pelas formas arredondadas , pelas curvas longas , pelas costas largas , coxas avantajadas , pelas “dobrinhas” que anseiam meus beijos e minhas mordidas , pelo rosto lindo, toda mulher gorda tem um rosto lindo, uma pele diferente.
    O problema é que a sociedade já pisoteou tanto nelas , ou no estereotipo delas, pois a mídia e a moda arrebatam ferozmente no conceito de beleza e saúde mentindo para todos que a magreza é a perfeição.
    Nossas delicias, em sua maioria vivendo no mundo sem holofotes e câmeras, com todos seus excessos , fogem da luz, do biquíni cavado na praia , daquela roupa ousada , afogando-se no desejo de ser ousada e assim , tao desejada quanto as demais conceituadas perfeitas e ” normais”. Ah se soubessem como nós homens , tantos loucos como eu, tremem na cobiça e desejo ao fitar um colo suntuoso e aparente, as vezes repleto de sardas até os ombros, uma cintura larga, costas cheias, uma bunda grande numa calça ou saia apertada deixando as marcas das celulites que somente os loucos como eu se afogam te tanto beijar. Quisera estas mulheres, num clique mágico se libertasse como tantas outras já conseguiram, se entregassem para a vida aceitando-se na plenitude da beleza das suas imperfeições, acreditando que há gostoso e sabores para tudo , e admiradores que gastariam horas de seu tempo em contemplar tal beleza tão excedente e desejada. Gordas cheias , maquiadas, ousadas, tatuadas, tímidas ou ousadas, todas expondo seu sorriso e a alegria de suas formas libertem-se! O Mundo está cheio de oportunidades e de homen como eu ” extremamento louco por vcs” !
    Marcos – Santa Catarina
    email: mitigado@bol.com.br

  2. Isso aí, Marcos!! Adoramos saber que você valoriza as mulheres plus. Quem sabe um dia todos não serão assim, né?
    Obrigada pela participação =)
    bjs,
    Equipe CGG

  3. Hoje será um dia de primeira vez… Depois de uma separação de um casamento frustado por tantas coisas inclusive pelo meu corpo… Estou bem comigo mesma, mas o corpo é sempre um tabu… Fui olhar alguns sites pra ver se me sentia mais segura, e me deparo com essa texto incrível… Só posso dizer: OBRIGADA!!!

  4. Olá, Daiane! Poxa, sei também o que é isso. Quando me separei fiquei arrasada. Mas, olha, agora posso te dizer com “lugar de fala”, existe muita vida sim após o fim de um casamento. E ela é melhor!
    Um relacionamento ruim draga toda a nossa vida pra baixo. É um chacoalhão do destino pra você acordar e dar atenção a outras áreas da sua vida. Prepare-se para uma vida todinha nova e muito mais plena!
    Quanto ao artigo, que lindo que ele te ajudou nesse momento. Obriagda pelo elogio =)
    Conte conosco, sempre!
    beijos,
    Kátia e Equipe CGG

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