Se tem alguém nessa vida que entende de dieta é gordo: ele já fez todas! E quando o assunto é abandonar o cigarrinho nosso de cada dia, ninguém melhor pra falar do assunto que alguém que tem “nicotina” tatuada na alma. Vou contar como, sendo a pessoa que conheço que mais ama cigarro, estou há 4 anos sem ele. E como isso não é grande coisa.
Minha história de fumante vem de berço, aspirando passiva o fumacê dos Hollywoods do meu pai. Como eram os loucos anos 80, onde a moral parece que ainda não havia sido inventada, meu hábito já era treinado com as cigarrilhas de chocolate da PAN, desde a mais tenra infância. Unia duas coisas que eu amo e que insistem em querer me matar: nicotina e chocolate.
Eu dava tragadas imaginárias nas minhas canetinhas Faber Castel que eram iguais a umas cigarrilhas que meu pai fumava no carro. Achava chique, transviado e o melhor de tudo, muito adulto.
Quando eu tinha 4 anos meu pai teve o primeiro infarte e parou de fumar, emagreceu arrobas e passou alguns poucos anos tentando uma vida um pouco mais saudável. Porém, logo todos os torresmos, cervejinhas e, agora, Hilton Longos estavam de volta ao posto de melhores amigos do meu progenitor. O que acabou custando sua vida, pouco antes de que eu completasse 19 anos.
Ao contrário do meu namorado, que pegou ojeriza à nicotina vendo o vicio levar seu pai quando ele tinha apenas 14 anos; eu desenvolvi uma história de obsessão eterna com a substância. Como se aquele cheiro e aquele gosto e aquela dormenciazinha na língua fosse um abraço do meu pai. Como se fosse um sopro de genialidade numa vida suburbana falida. Fumar sempre foi o que sempre me separou da mediocridade.
Todas as vezes que parei (atualmente na tentativa número 3) o motivo foi o mesmo: cagaço. Desculpa, leitor, não tem palavra melhor pra colocar aí. Quando se é fumante, gripe é quase rotina, um sanguezinho no catarro, uma faltinha de ar leve depois de subir escada, aquele pigarro de assustar o gato e tals. Você acostuma.
Mas, nessas 3 vezes foram coisas mais sérias e eu sabia o que tinha me levado até ali. Na mais recente, em 2014 eu peguei mais um resfriado, o que repito é comum nessas circunstancias e depois de apenas 1 dia acordei com MUITA falta ar. Ao longo do dia foi ficando impossível fazer qualquer coisa bem básica do tipo escovar o dente ou tomar água. Fechava os olhos e lembrava do meu pai sentado na cama, meses antes de morrer, acordando no meio da noite sem ar.
Em resumo: ambulância, hospital e todo aquele drama. O pneumologista me explicou que anos de cigarro deixaram meu pulmão danificado e qualquer gripe vira algo grande e que requer muita atenção e cuidado. E tudo acontece a passos lentos e você nem percebe o como aquilo te dá uma pequena facadinha a cada minuto.
Eu acreditei em Bukovski: escolhi algo que eu amava e deixei que aquilo me matasse. E, sinceramente: no regrets. Se não fossem essas muletas talvez eu não estivesse aqui pra escrever esse texto de merda. E talvez isso fosse bom. Não sei.
Na primeira vez que parei de fumar, em 2004: foi na raça. Guardei o cigarro na gaveta e a cada minuto eu fazia a opção de não acender um. Essa é a técnica número 1: tenha cigarro, isqueiro e cinzeiro com guimbas. O “pra sempre” é tempo demais, é algo impossível de se pedir a um mortal (como diz na musica da Shakira, “La Tortura”). A ideia de encarar um dia de cada vez é mais ou menos o lema do AA.FUNCIONA, pessoas. Pra tudo, até pra pé na bunda.
Se você abrir agora minha primeira gaveta do escritório vai encontrar lá, como um fóssil , bitucas de 4 anos atrás. O cheiro me faz bem. É um souvenir do meu grande amor.
A dica número 2 é se afastar de quem fuma. Nessa minha primeira tentativa, eu era ainda casada, logicamente com um fumante. E tive que aguentar a crise de abstinência com alguém tragando dois maços ao dia do meu lado.
O que eu mais sentia falta era das chamadas conversas de cigarrinho, quando a gente deitava no sofá com um grande cinzeiro azul no meio e contava causos da infância, das figuraças que conhecíamos no caminho até ali, teorias e conspirações. Era um ritual de fast philosophy.
Mas, parar de fumar pela primeira vez não é algo difícil. Por isso, se esse é seu caso, não desperdice: dê esse salto somente quando estiver preparado. Com a caça às bruxas em relação aos fumantes, vários órgãos oferecem terapia e medicamentos gratuitos para quem quer abandonar o vicio: USE. Põe no Google aí e vai mesmo.
Três anos depois de abandonar os meus amados cigarrinhos eu acabei voltando com tudo: após minha separação tava meio deprê e pensei “ahhh foda-se tudo”. Voltei a fumar quase dois maços ao dia novamente e agora, com 30 anos.
Não demorou muito e tive uma segunda gripe MUITO forte e acabei abandonando o vício pela segunda vez. Desta vez, após um pontapé inicial de cara lavada de cerca de quinze dias, recebi uma muleta ótima do meu médico: Buropropiona. Aquela coceirinha que dá na alma toda vez que você quer fumar? Some. Ou melhor… vira fome. Durante os 4 meses que tomei o medicamento não tive vontade nenhuma de fumar. Absolutamente nenhuma. Foi o único período que isso aconteceu na vida.
Quando parei de tomar, voltei a fumar logo em seguida. Resumo: tava fumando de novo em menos de seis meses, mais pobre e agora com 30 quilos a mais. Se for usar remédio, faz direitinho, investe um tempo nisso e não menospreze o vicio. Faça terapia junto. É um saco, mas é a vida.
Nesta terceira vez, agora em 2014 eu parei na raça também, mas, fui aconselhada pelo pneumologista a usar adesivos de nicotina, o Niquitin. Achei ótimo. Engraçado que você sonha muito que tá fumando porque enquanto dorme tem a droga ali, atravessando sua pele no maior estilo “ I got you under my skin”.
Depois de um tempo, enchi o saco de ter a pele melada o tempo todo (aquela cola é o demônio) e migrei para o chiclete de nicotina, meu amigo Nicorette 2mg. Que me custa o mesmo que eu gastava com cigarro, um absurdo. Tô viciada neles desde então. Nesse esquema eu engordei somente 8 quilos no primeiro ano que é o que eu geralmente engordava mesmo porque sou uma gorda meio doida. No segundo ano eu perdi muito peso, mas isso é outro causo pra depois.
Ambos os tratamentos são tiro e queda, tem poucos efeitos colaterais mas são bem caros. Todo mundo torce o nariz e resmunga “você continua viciada em nicotina”. É verdade, porém, 95% do mal pra sua saúde já vai embora. E você não faz mal pra ninguém ao seu redor. Evite usar os adesivos ou o chiclete durante atividades físicas: a nicotina altera seu ritmo cardíaco e pode prejudicar seu desempenho.
Outra dica fofa: crie outras muletinhas pra você. Entenda o papel que o cigarro tem na sua vida e veja como pode se auto-compensar por aquela perda. A maioria de nós vai pra comida, porque está ali na tal fixação oral. Eu invisto no chiclete, em bebidas e snacks saudáveis em mini quantidades. Vou brincar com meu gato, vou ver vídeo de gente caindo ou de bebe rindo na internet. A carência filosófica eu matei chamando a minha amiga Sylvia no Zap pra fofocar e falar mal de quem não nos entende.
A cada vez que eu parava eu sentia que o cigarro simbolicamente crescia dentro de mim, que a saudade dele era algo que me rasgava a existência. Era (e é) muito difícil e irritante conceber um novo eu sem cigarro. Como escrever bem sem aquela névoa? Como trabalhar sem ter aquelas saidinhas pra fumar e voltar com uma ideia genial de lá fora? Como refletir sobre a condição urbana senão ilhada num pequeno toldo no meio da rua, de madrugada, sozinha, com frio, em outro país, tragando meu Marlboro Light.? Como assistir “as horas” ou algum filme noir e não fumar junto com os protagonistas? Como se sentir melhor consigo mesmo esmagada dentro de seu veículo pobrinho em um megacongestionamento todos os dias?
Como uma vida inteligente e minimamente poética acontece sem o fumo? Não sei. Acho que ela não acontece. Mas é a vida que posso viver. É a vida possível.
Ainda não sei se essa parada será definitiva. Pode não ser, um dia de cada vez. Certo? Continuo amando o cheiro, a fumaça, aquela paz na garganta que nada mais me dá. Ainda existe o gatilho de paixão dentro de mim e nada mudou. Mas, percebi que este é mais um amor não correspondido e tóxico na minha estante. Deixa ela lá, por enquanto.
Em tempo: tem mais post sobre nicotina: AQUI.