Gustavo Rosa e a arte democrática

Ele é badalado, talentoso e criou se estilo próprio não somente no jeito de se expressar mas como no de encarar a profissão de artista. O curso da vida foi deixando Gustavo Rosa cada vez mais próximo do olhar bem humorado, tornando sua obra mais comunicativa e as gordinhas, suas musas inspiradoras.

O pintor Gustavo Rosa (1946-2013) foi um dos maiores fenômenos populares da arte brasileira: do sofá da Hebe à sua própria linha na Bloomingdale’s, ele inaugurou a categoria de artistas nacionais que fazem parceriais bem sucedidas com marcas como BMW e Visa. Ele não foi apenas um gênio das artes que se propôs a fazer, mas, também em como gerir sua própria carreira.

Gustavo Rosa em seu antigo ateliê, durante a nossa visita em 2002

Gustavo Rosa em seu antigo ateliê, durante a nossa visita em 2002

Além da pegada divertida de seu traço, sua obra celebra formas gordinhas. De fato, foi a partir do início da série “Banhistas” nos anos 80, onde virou queridinho da mídia. Ainda que alguns críticos torcessem o nariz, o impacto de sua obra trouxe cada vez mais fãs. Seu traço mais marcante era a alegria. Em suas prórpias palavras ele refutou a ideia de que “arte é para poucos”.

Quieto e sagaz, ele nos recebeu para uma entrevista exclusiva em seu antigo ateliê nos jardins. Nos anos seguintes ele haveria de inaugurar um ainda maior e, claro, chamou a gente pra festa: as hostess e garçons da inauguração eram todos plus size contratados conosco.

Três anos após a sua morte, o local passou a abrigar um instituto com seu nome, gerido por seu irmão caçula. Por lá, além de algumas obras do artista, também há oficinas para crianças e reproduções de suas telas à venda. A grande homenagem, no entanto, fica ao nosso ver, do lado de fora. A palavra que melhor define a obra de Gustavo Rosa é a democracia. No muro no instituto, reproduções gigantes de seu trabalho pra que a gente seja contaminado por sua alegria mesmo se só estiver passando na rua.

A modelo Ana Paula Hicks e a fachada do Instituto Gustavo Rosa.

A modelo Ana Paula Hicks e a fachada do Instituto Gustavo Rosa.

CriaturaGG: Sobreviver exclusivamente de arte no Brasil é uma tarefa e tanto. Desde quando você se dedica exclusivamente à arte?

Gustavo: Eu acho que já sabia que seria um pintor desde uns cinco anos de idade. Antes de saber falar, eu já desenhava! Minha  mãe conta, que  durante  uma reforma na  nossa casa, eu, ainda pequenininho  vi  os arquitetos desenhando nas paredes, etc. Quando eles foram embora eu peguei um lápis e desenhei a parede inteira. Eu apenas engatinhava… Foi a minha primeira “arte”! Daí eu não parei mais. No colégio: eu só desenhava. Durante um tempo eu até tive uma atividade paralela, mas eu era bem jovem. Como na minha família não tem outros artistas, meu pai era advogado, de uma linha inclusive bastante dura. E eu era bem vagabundo. No colégio eu não estudava só queria desenhar, desenhar; fazia caricaturas dos professores. Era um show nessa área. Eu deveria ter uns 15, 16 anos e na época ser artista significa ser marginal. Então, meu pai preocupado com o meu futuro, conversou com o diretor de arte da revista Claudia. Se abriu com ele e contou que estava preocupado com meu estilo de vida. Ele queria me encaminhar como um publicitário ou coisa do gênero. Algo ligado ao que eu sempre gostei de fazer. Nessa época, eu era encantado com essa revista: as capas eram pinturas. Quando meu pai conseguiu esta oportunidade eu fui até a Abril e levei tudo o que eu tinha. Ele se entusiasmou e reconheceu meu talento. Trabalhei um tempo lá e depois fui para a JVS Morad Publicidade, onde cheguei a ser diretor de arte. Hoje em dia não existe mais o que eu fazia muito: o layout man. É tudo por computador.
Eu fazias muitas ilustrações também. Naquela época se usava muito desenho. Paralelamente a isso eu já pintava nas horas livres. Na publicidade, eu fiquei uns dois anos. Quando ganhei um prêmio pelo meu trabalho, resolvi me dedicar exclusivamente a ele.

CriaturaGG:E você se lembra do primeiro quadro que vendeu?

Gustavo Rosa: Eu me lembro do primeiro quadro que eu fiz uma “troca”. Um amigo meu estava montando uma casa de praia e queria uma obra minha. Troquei por um cavalete sofisticado que eu precisava.

CriaturaGG:E não acontece de você se apegar às suas obras?

Gustavo Rosa: Tem obras que eu não vendo de jeito nenhum! Elas ficam aqui nas paredes do ateliê.

CriaturaGG: Você fez muitos trabalhos para grandes empresas como a Deca e a Philips. Mas antes disso você experimentou este tipo de sucesso nos EUA com a Bloomendays. Como é este tipo de experiência?

Gustavo Rosa: Lá as pessoas tem uma outra visão sobre este tipo de atitude do artista comercializar sua obra para o grande público em coisas acessível a eles, como camisetas, toalhas, etc. Aqui a classe é muito incauta e inculta. Eles acham que o artista não pode ganhar dinheiro. Ganhou dinheiro, é reconhecido é logo tachado de “comercial”. E lá fora é justamente ao contrário. Se uma grande empresa me chamou entre mais de mil artistas, sendo estrangeiro ainda, minha carreira conquistou um outro patamar mais elevado. E com isso, ganhei muita exposição como meia capa do New York Times. Lá você cresce fazendo este tipo de proposta. Aqui o artista tem que ser aquela coisa intimista para uma elite.

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CriaturaGG: E você foge bem desse estereótipo. Sua arte está em todos os lugares: na rua, em restaurantes, na TV… Você busca levar o seu trabalho para as pessoas “comuns”?

Gustavo Rosa: Lógico. Meus quadros são todos coloridos, comunicativos. Eu tenho até projetos de tornar algumas obras mais acessíveis ao público. Além de ser uma divulgação do trabalho, você permite que pessoas de baixo poder aquisitivo possam adquirir uma obra de arte. Isso é espalhar cultura. Tem muita gente que é contra. Acha que arte é para poucos.

CriaturaGG: E tem diferença expor uma obra para essa elite de galerias e para o “povão”?

Gustavo Rosa: Eu tenho um certo preconceito contra intelectualóide. Eles são cheios de teses e de preconceitos. Eu gosto de deixar a obra fluir. Já tive muitas surpresas boas ao ver pessoas comuns entendendo muito mais o que eu quis passar numa obra do que um intelectual. Por isso eu gosto de fazer camisetas…

CriaturaGG: E em termos de receptividade? As pessoas abordam você, dão opiniões?

Gustavo Rosa: Geralmente não. As pessoas tem um pouco de medo.

CriaturaGG: E quando você tem que fazer algo para a elite? Você toma uma orientação diferente para a obra?

Gustavo Rosa: Não. Eu faço o meu trabalho, entenda quem quiser. Eu não vou diferenciar o meu trabalho desta forma! É uma coisa só. Agora estou desenvolvendo um trabalho para a BMW para um lançamento sofisticadíssimo. Mas o estilo é o mesmo: aquela coisa lúdica, comunicativa.

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CriaturaGG: E você acha que esta comunicação é que espalha sua obra por todas as classes?

Gustavo Rosa: Claro! Há pouco tempo desenvolvi um trabalho especial para a parte de seguros do Banco Real, com temas que eles forneceram baseados no próprio negócio: uma viúva, um ladrão de carros, etc. O resultado foi um conjunto de obras que fala por si só e chama atenção das pessoas que vão até lá. E justamente o que fez mais sucesso foi a viúva alegre que era uma gordinha que ficava feliz e saltitante após receber o seguro do marido. E olha que para banqueiro holandês aceitar uma coisa mais descontraída… Também acabei de fazer uma ilustração para uma coluna da Veja que é uma revista do grande público. Eu acho que as pessoas se identificam com o  bom  humor que eu coloco nas obras. Não que um pintor mais dramático não tenha também um grande valor. Cada artista expõe um pouco do que é. Se você me pedir algo mais agressivo, dramático eu não vou saber fazer.

CriaturaGG: E o fato dos seus quadros serem coloridos e comunicativos expressa bem sua personalidade?

Gustavo Rosa: Agora sim. Eu já tive antes uma fase mais introspecta, mais rígido e concreto. Quando perdi minha irmã há um tempo atrás, eu sofri muito e descobri que a vida não é por aí. Minha irmã era uma pessoa que levava tudo muito a ferro e a fogo. Daí eu fui deixando minha obra mais light, mais alegre. Porque acho que temos que viver o hoje.

CriaturaGG: Nessa linha de bom humor você revisitou a Mona Lisa. O que você quis passar na sua visão?

Gustavo Rosa: Muitos artistas já fizeram sua Mona Lisa. Eu achei que aquele era meu momento de fazer. Fiz para a Daslu.

CriaturaGG: E como surgiram as gordinhas nas suas obras?

Gustavo Rosa: Pois é. A figura magra acaba ficando meio perdida nos meus quadros. Fica uma coisa meio triste. Uma vez eu disse para o Amaury Júnior que era apenas uma desculpa para encarecer a obra, alegando que havia gastado muito tinta! O que também não deixa de ser um pouco de verdade (risos). Mas o fato dos gordinhos estarem na minha obra é porque são sinônimo de alegria de viver. O gordo não tem aquela neura, está quase sempre sorrindo e aproveitando a vida. Tenho vários amigos cheinhos que inspiraram meu trabalho. Retrato de uma forma alegre mas de maneira nenhuma pejorativa. A forma mais gordinha chama a atenção das pessoas.

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CriaturaGG: Você tem consciência de que está ajudando a diminuir o preconceito contra gordinhos?

Gustavo Rosa: Não sei, muitas gordinhas realmente me agradecem e adoram. Inclusive muitas magras também admiram e acabam ficando mais tranqüilas com essa coisa de peso.

Obra em andamento durante nossa visita ao artista em 2002.

Obra em andamento durante nossa visita ao artista em 2002.

CriaturaGG: Além das gordinhas, você também já trabalhou com outras ditas “minorias”. Num projeto da Casa Cor, suas obras davam charme a um projeto feito para deficientes. Você tem uma preocupação com o social?

Gustavo Rosa: Não propriamente. Eu pinto o que eu gosto. Neste caso do stand mostrando um lar adaptado para um deficiente físico, eu fiz um quadro sobre este tema, que inclusive foi comprado pela Escola Paulista de Medicina.

CriaturaGG: Você tem algum recado para as gordinhas?

Gustavo: Para continuarem gordinhas e esquecerem estes tabus de dietas e estética!

As paredes do antigo ateliê eram forradas de suas obras favoritas.

As paredes do antigo ateliê eram forradas de suas obras favoritas.

Serviço:

Instituto Gustavo Rosa

Rua Veneza, 920 – Jardim América – São Paulo/SP
Instagram: @institutogustavorosa
Mais informações: website
Visitação: de terça à sexta, das 10 às 18hs – Entrada Gratuita

 

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